de Vinícius de Moraes
Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos -
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será a nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos -
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez, de amor
Uma prece por quem se vai -
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte -
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.
Natal
de Vinicius de Moraes
—–
De repente o sol raiou
E o galo cocoricou:
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— Cristo nasceu!
—-
O boi, no campo perdido
Soltou um longo mugido:
— Aonde? Aonde?
—-
Com seu balido tremido
Ligeiro diz o cordeiro:
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— Em Belém! Em Belém!
—-
Eis senão quando, num zurro
Se ouve a risada do burro:
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— Foi sim que eu estava lá!
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E o papagaio que é gira
Pôs-se a falar: — É mentira!
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Os bichos de pena, em bando
Reclamaram protestando.
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O pombal todo arrulhava:
— Cruz credo! Cruz credo!
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Brava
A arara a gritar começa:
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— Mentira! Arara. Ora essa!
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— Cristo nasceu! canta o galo.
— Aonde? pergunta o boi.
—-
— Num estábulo! — o cavalo
Contente rincha onde foi.
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Bale o cordeiro também:
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— Em Belém! Mé! Em Belém!
—-
E os bichos todos pegaram
O papagaio caturra
E de raiva lhe aplicaram
Uma grandíssima surra.
¡Feliz Navidad!